Gabe Newell e o Futuro do Steam: De Visionário a Sistema
Marat Usupov
Gabe Newell — um homem que definiu toda uma era de distribuição digital. Ele criou o Steam, transformou-o em um quase monopólio nos jogos de PC — mas um benevolente. Ainda assim, o tempo avança, e Gabe agora tem 63 anos. Quais riscos a sua possível saída da empresa traz? Spoiler: não espere nada bom. Neste artigo, vamos analisar o porquê.
De Microsoft a um Império dos Jogos
Gabe Newell começou sua carreira na Microsoft, onde trabalhou por 13 anos — de 1983 a 1996. Lá, ele ajudou a desenvolver as primeiras versões do Windows (1.0–1.03) e ganhou o suficiente para se tornar um milionário antes de completar 30 anos. No entanto, o ambiente corporativo pesava sobre ele: aprovações intermináveis, burocracia e desconexão do produto real.
Em 1996, junto com seu colega Mike Harrington, ele deixou a Microsoft e fundou a Valve. A inspiração veio de DOOM (1993) — Newell viu o potencial dos jogos em rede e queria criar algo seu. Seu primeiro projeto, Half-Life (1998), foi um sucesso instantâneo. Mas a verdadeira revolução veio depois.
Em 2003, a Valve lançou o Steam — inicialmente como uma plataforma para atualizar seus próprios jogos e combater a pirataria. A ideia parecia duvidosa: por que os jogadores instalariam outro programa? Mas Gabe entendeu o princípio chave — a pirataria não é derrotada por DRM e processos judiciais, mas pela conveniência. Se a opção legal for mais simples e benéfica, as pessoas a escolherão.
Até 2025, o Steam conta com 132 milhões de usuários ativos por mês e continua sendo o líder indiscutível do mercado. Newell transformou a plataforma em um padrão da indústria não através de expansão agressiva, mas entendendo o que os jogadores realmente precisam. Ele é um jogador e um engenheiro — ele compreendeu as necessidades dos usuários não por relatórios ou acionistas, mas pela experiência pessoal. Uma característica rara para um CEO corporativo.
Você usa alternativas ao Steam?
A Função Atual de Gabe Newell na Valve
Embora Newell ainda tenha uma participação controladora e formalmente continue sendo o CEO da Valve, seu envolvimento não é mais o que costumava ser. Em uma entrevista de 2025, ele descreveu seu estilo de vida como "semi-aposentado": ele trabalha diariamente, mas muitas vezes de seu iate particular, focando mais em questões estratégicas do que na gestão cotidiana.
Ele continua sendo uma figura chave em três áreas:
- Decisões estratégicas. Newell supervisiona pessoalmente o desenvolvimento do Steam Deck, projetos na área de VR (incluindo a parceria com a HTC) e a integração de inteligência artificial. Em 2025, ele chamou a IA de "código de trapaça para negócios", prevendo que até o final do ano, 20% de todos os jogos do Steam usariam IA generativa (em comparação com 7% no início do ano);
- Filosofia da empresa. Newell continua a ser a personificação viva dos valores centrais da Valve: pensamento centrado no usuário, uma estrutura plana sem hierarquia rígida e um equilíbrio entre lucro e confiança da comunidade. Suas aparições regulares no The International apenas reforçam essa imagem. Mais importante ainda, Gabe entende seu público — e, neste estágio, ele realmente não precisa de mais dinheiro. Ele pode se dar ao luxo de não extrair cada centavo da plataforma, focando em uma visão de longo prazo e na lealdade do usuário;
- Delegação de gestão. A Valve é famosa por sua estrutura "plana": os funcionários escolhem os projetos por conta própria, e as decisões são tomadas coletivamente. O papel de Gabe hoje é o de um núcleo ideológico — a mente e o coração da Valve — e isso destaca o quanto a empresa ainda depende de sua personalidade.
Fora da Valve, Newell investe ativamente em outros empreendimentos — construção de iates (Oceanco), interfaces neurais (Starfish Neuroscience) e pesquisa marinha (Inkfish). É um sinal claro de que, com a idade e a riqueza, ele está se afastando de seu ofício em direção à criatividade e exploração.
Um Monopólio Sem Alternativas
Hoje, a Steam controla cerca de 75% do mercado global de distribuição digital de PC, gerando $10,8 bilhões em receita em 2024 — um aumento de 24% em relação ao ano anterior. Seu sistema de comissões (10–30%) é visto pelos desenvolvedores como justo. Os jogadores, por sua vez, adoram a plataforma, percebendo-a como um "monopólio com um rosto humano": sem anúncios agressivos, sem assinaturas pagas e sem venda de dados dos usuários.
Principais concorrentes:
- Epic Games Store — 15–20% do mercado, cerca de 60 milhões de usuários ativos e $2–3 bilhões em receita. Seu foco está em exclusividades e sorteios regulares de jogos gratuitos, ajudando a reter e atrair usuários, embora ainda perca para a Steam em escala e engajamento. EGS oferece aos desenvolvedores uma divisão de receita favorável de 88/12;
- GOG (CD Projekt) — aproximadamente 5% do mercado, 20 milhões de usuários e $0,5 bilhão em receita. Atrai um público com sua abordagem sem DRM, mas continua sendo um projeto de nicho. Os usuários principais da GOG são em sua maioria jogadores "old-school" e opositores ideológicos do DRM, o que naturalmente limita o interesse de desenvolvedores e editores.
Tudo aponta para a mesma conclusão: os usuários escolhem a Steam sem perceber que estão reforçando o monopólio da Valve. E é aí que o verdadeiro problema começa.
Por que um Monopólio é Perigoso — Mesmo um Benevolente
A Steam hoje é um ecossistema confortável — mas repousa sobre um homem e sua filosofia. Um monopólio construído sobre personalidade em vez de competição carrega riscos sistêmicos:
Sem pressão para melhorar. Quando você controla 75% do mercado, há pouco incentivo para evoluir rapidamente. A interface do Steam permaneceu inalterada por anos, o suporte ao cliente continua sendo seu ponto mais fraco, e as políticas de reembolso foram introduzidas apenas após desafios legais. A Valve pode se dar ao luxo disso — não há uma alternativa real.
Dependência da vontade de uma pessoa. Newell não quer aumentar as comissões? Ótimo. Mas o que acontece quando outra pessoa toma as decisões? Um novo CEO terá que provar sua eficiência — provavelmente aumentando os lucros. E a maneira mais fácil de fazer isso é aumentando as comissões e apertando a monetização.
Sem plano de backup para os usuários. Os jogadores têm bibliotecas que valem milhares de dólares armazenadas em uma única cesta. Se o Steam mudar sua política — por exemplo, introduzindo um modelo de assinatura para acessar jogos comprados ou restringindo reembolsos — a migração para outra plataforma seria dolorosa ou até impossível.
Estagnação dos concorrentes. Epic e GOG simplesmente não conseguem competir com o ecossistema do Steam — faltam tanto recursos quanto confiança dos usuários. Quanto mais tempo um monopólio dura, mais difícil é quebrá-lo. Até a Microsoft, com seu Xbox Game Pass, falhou em desafiar significativamente a dominância do Steam.
O problema é que os próprios usuários construíram essa situação. É conveniente, e eles não veem ameaça. Mas um monopólio é sempre uma bomba-relógio. Por enquanto, tem um mestre gentil. O que acontece a seguir — ninguém sabe.
O que acontecerá com a Steam depois que Gabe Newell sair?
O Problema da Sucessão
A Valve é uma empresa privada, e seu futuro depende inteiramente da vontade de Newell. O nome de um possível sucessor nunca foi tornado público. Dentro da comunidade, um dos candidatos mais mencionados é seu filho, Gray Newell — um desenvolvedor de MMO que critica abertamente a Valve por ser excessivamente cautelosa. Outros especulam sobre desfechos mais dramáticos, incluindo uma possível separação da empresa ou até mesmo sua venda para a Microsoft.
A compreensão de Gabe sobre seu público — jogadores de PC — vem de sua própria experiência como jogador e engenheiro. Ele sempre acreditou que a pirataria é melhor combatida com conveniência, não com proibições, e que a lealdade vem do respeito, não de descontos. Essa rara mistura de intuição e empatia é quase impossível de passar para um sucessor. Os futuros executivos não serão bilionários com filosofias pessoais estáveis — serão gerentes sob pressão para entregar crescimento. E em um monopólio, o crescimento vem de apenas uma maneira: extraindo mais lucro da base existente.
Cenários prováveis após a saída de Newell incluem uma monetização mais forte — aumentando as comissões de 30% para 35–40% (semelhante às plataformas móveis), pressionando agressivamente microtransações, introduzindo assinaturas premium pagas (para recursos como salvamentos na nuvem ou acesso antecipado a vendas), e abandonando o "idealismo" que atualmente diferencia a Valve da maioria das corporações.
Não é malícia — é apenas negócios. Mas para os jogadores, isso marcaria o fim da era do "monopólio benevolente".
O que espera a Valve sem Newell
O mercado não está pronto para tal mudança — ainda não existem alternativas fortes. Não é coincidência que discussões online frequentemente comparem a possível saída de Newell à queda de Roma e ao fim da civilização clássica. A estrutura corporativa plana da Valve pode amenizar o impacto se seu sucessor conseguir preservar a filosofia da empresa — mas a história mostra que poucas organizações realmente mantêm o espírito de seu fundador.
- Apple após Steve Jobs. A inovação deu lugar ao marketing e à estabilidade. O iPhone deixou de surpreender alguém, e a empresa começou a explorar seu ecossistema — comissões da App Store, acessórios superfaturados e recursos artificialmente limitados em modelos de entrada;
- Microsoft após Bill Gates. A perda da visão inovadora levou a uma longa busca por tendências. A empresa perdeu a revolução móvel, passou anos copiando concorrentes (Zune, Windows Phone, Bing) e só sob a liderança de Satya Nadella encontrou uma nova estratégia — mas se tornou uma Microsoft diferente, sem a ambição original de Gates;
- Disney após Walt Disney. Décadas de estagnação se seguiram, com o sucesso baseado principalmente em reboots, sequências e aquisições. A criatividade foi substituída por franquias e apostas seguras. A Disney agora ganha mais do que nunca, mas não é mais a empresa que costumava criar mágica.
Todos esses exemplos provam que a dependência de um único visionário torna uma empresa frágil. Quando a pessoa que construiu a cultura e a filosofia sai, os gerentes assumem. Eles podem ser eficazes, mas são previsíveis. Eles não provocam revoluções — eles otimizam o que já existe.
E para a Steam, isso significaria o fim da era do "governante gentil" e o início da era dos gerentes eficientes — aqueles que vão extrair cada gota que puderem de um monopólio.
A Valve sob Gabe tem sido uma anomalia — um monopólio que não abusa de seu poder. O sucesso da Steam é resultado do esforço incansável de Newell e do trabalho de toda a sua equipe, mas esse mesmo sucesso tornou o sistema frágil. Se os jogadores não começarem a apoiar uma competição saudável agora (EGS, GOG, Xbox), um monopólio sem seu "senhor benevolente" pode rapidamente se transformar em preços mais altos e estagnação em todo o ecossistema.
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